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domingo, 22 de julho de 2012

Caminhoneiros com dívidas são discriminados por transportadoras - O Globo

Autor(es): Cristiane Bonfanti
O Globo - 22/07/2012
Ministério Público tem ações contra empresas que levantam dados de motoristas

BRASÍLIA . Às vésperas de uma paralisação nacional da categoria, marcada para o próximo dia 25, os caminhoneiros, já acuados pelas precárias condições de trabalho e pelo sucateamento da malha rodoviária, sofrem nova forma de discriminação. O Ministério Público do Trabalho está com seis ações civis públicas em andamento contra gerenciadoras de risco e seguradoras que fazem uma varredura na vida dos motoristas e organizam um banco de dados com informações pessoais e creditícias a respeito desses profissionais.

Quando não têm essas informações, as seguradoras exigem que as transportadoras consultem esses cadastros, incluindo SPC e Serasa, como condição para garantir as cargas. Quem tem restrições de crédito acaba não conseguindo emprego.

O procurador do Trabalho Carlos Eduardo Brisolla afirmou que o MPT já identificou, ao todo, 12 empresas que atuam de forma discriminatória e que entrará com ações civis públicas contra as outras seis, caso não aceitem acordo. A exigência é para que as companhias não apenas deixem de consultar o SPC e o Serasa, mas também para que paguem uma indenização, cada uma, de R$ 400 mil por danos morais coletivos. Na avaliação de Brisolla, a consulta fere a intimidade dos trabalhadores:

- As empresas devem tomar medidas para se proteger. Mas cadastros de crédito, embora públicos, não podem ser usados para restringir o acesso a emprego, principalmente nesse caso.
Sem emprego, trabalhador não tem como pagar dívida

Iniciados a partir de denúncias dos sindicatos, os processos instaurados pelo MPT são contra as empresas GPS Logística e Gerenciamento de Riscos - Pamcary; Brasil Risk; Grupo GV Risco; e Liberty Seguros S.A. As últimas duas, protocoladas na última quarta-feira, dizem respeito à Mapfre Seguros e à Buonny.

Um caminhoneiro autônomo de Minas Gerais que prefere não se identificar não consegue emprego com carteira assinada há quatro anos, desde que teve o nome negativado no SPC. Ele havia comprado um caminhão, em 36 parcelas de R$ 1,9 mil, mas não conseguiu honrar o compromisso. Hoje, aos 63 anos de idade, já encontrou portas fechadas em mais de dez firmas e diz viver de "bicos". Os rendimentos, antes de R$ 6 mil por mês, caíram para cerca de R$ 1 mil.
- As empresas não assinam minha carteira e, mesmo como autônomo, não consigo trabalho por causa das restrições das seguradoras. Como vou pagar dívida sem emprego? - desabafou.

É justamente por causa dessas barreiras que o motorista Gilson Militão, 48, faz as contas para manter o orçamento em dia. Há 30 anos na profissão, diz que ficou, no máximo, três meses desempregado. Mas tem visto muitos sofrerem discriminação por causa de restrições creditícias.

O presidente do Sindicato dos Transportadores Rodoviários Autônomos de Bens do Estado de São Paulo (Sindicam-SP), Norival de Almeida Silva, disse que o problema é tão grave que, há um ano, a entidade criou uma câmara de conciliação para resolver os conflitos entre as gerenciadoras e os motoristas. Em vez de entrar na Justiça, o sindicato busca uma solução nas empresas que mantêm o cadastro com dados desabonadores, o que pode reduzir o tempo de espera de três anos para 60 dias. Por mês, 120 profissionais de todo o Brasil procuram ajuda.
- Esses cadastros pegam tudo, desde uma conta de varejo não paga até pensão e IPTU de anos atrás - afirmou Silva.

Erivaldo Adami, presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Transportes Rodoviários e Urbanos de Divinópolis, em Minas Gerais, recebe pelo menos 20 reclamações por mês de motoristas que não conseguem emprego por causa de restrições.
- O transportador já é considerado como um bandido de cara - criticou.

O GLOBO teve acesso a uma apólice do contrato com a Porto Seguro Cia de Seguros Gerais que mostra que o segurado precisa obter, antes do carregamento do veículo transportador, liberação para embarque por meio da consulta ou cadastro em empresas especializadas, inclusive no que diz respeito aos motoristas. Procurada, a empresa não se pronunciou até o fechamento desta edição.
TST já reconhecera direito de empregador checar SPC

Cyro Buonavoglia, presidente da Buonny e da Associação Brasileira das Empresas de Gerenciamento de Riscos e de Tecnologia de Rastreamento e Monitoramento (Gristec), contestou a acusação do MPT. Ele alegou que nenhum motorista é barrado por ter dez cheques devolvidos. Mas que uma dívida alta, de R$ 30 mil ou R$ 80 mil, pode estar relacionada a um caminhão que não foi pago, o que, numa fiscalização, comprometeria a carga.

- A seguradora é soberana em seu negócio e compra o risco que quiser. Nós apenas prestamos as informações. A reclamação dos sindicatos é tendenciosa e vamos recorrer até a última instância - disse ele.

O Grupo GV informou que não tem qualquer conduta discriminatória nem viola a intimidade dos motoristas, já que a pesquisa de dados é realizada em órgãos públicos e privados. Mas confirma que, se o nome do motorista estiver sujo, o seguro pode ser mais caro. A Pamcary confirmou que consulta o SPC e o Serasa, mas disse que isso não desqualifica o motorista. A Brasil Risk disse que só faria qualquer comentário na Justiça.

O Grupo Mapfre disse que não foi notificado oficialmente. A Liberty Seguros disse que não verifica informações pessoais e creditícias dos motoristas de cargas. Afirmou que as consultas estão relacionadas à atividade das transportadoras, ao mercado de transporte em geral, independentemente da existência de seguro.

A exigência esquenta uma discussão que, antes, estava focada no comércio. No início do ano, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) já havia reconhecido o direito de um empregador consultar o SPC antes de contratar seus funcionários. A postura é contestada por sindicatos. A Superintendência de Seguros Privados (Susep) informou que não faz qualquer recomendação sobre criação ou consulta de cadastro sobre os transportadores. Mas observou que as seguradoras são livres para estabelecer critérios internos, que incluem a exigência da informação de dados pessoais e creditícios.

Fonte: O Globo
Link: http://extra.globo.com/noticias/economia/caminhoneiros-com-dividas-sao-discriminados-por-transportadoras-5554448.html

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